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Photo by RAHUL SHAH from Pexels |
Ela encarou o último chocolate da caixa. Não sabia se guardava aquele último pedaço de prazer para alguma hora mais tarde da longa noite que teria pela frente. Respirou fundo e voltou ao árduo trabalho de separar os tão queridos livros entre as inúmeras caixas de mudança e de doações. Na nova vida não haveria espaço para excessos, então manteria consigo apenas as leituras que a marcaram de alguma forma.
Desapegar não era fácil. Desde que recebera a nova proposta de emprego para trabalhar em uma outra cidade, Larissa não havia sossegado. Primeiro o peso da decisão a ser tomada: Abandonar uma vida estável para recomeçar? Em seus trinta e dois anos nunca houvera muito espaço para incertezas. Era determinada e o antigo emprego foi uma conquista merecida, fruto de muita luta. Mas o novo salário era realmente bom, e a vida na cidade grande sempre fora um sonho distante para a garota que cresceu no interior.
Concentrava-se nas paredes, agora vazias, da casa que não seria mais sua. Iriam todos os quadros caber nos quarenta e cinco metros quadrados do apartamento novo? E a cama king size? Mas para ela desapegar-se de quaisquer móveis seriam infinitamente menos doloroso do que deixar alguns livros para trás.
Enxugou uma lágrima que apareceu de teimosa, bebeu, em um copo de requeijão, um gole de vinho para afastar a vontade de abrir o bombom e colocou uma velha canção de blues para tocar. Sorriu. Pensou em todos os sonhos que iria realizar. As oportunidades que teria pela frente. Quem sabe a casa própria? Um carro novo? Ou até mesmo casar e ter filhos.... A idade estava batendo na porta, o relógio biológico a apressava. Mas ainda não era hora de pensar nisso.
Riu ao ouvir a voz de Billie Holliday. Era a única em seu grupo de amigos da cidade interiorana que gostava de blues. Talvez seu lugar fosse mesmo numa capital. Lá poderia aproveitar a vida noturna agitada, ter uma vida cultural mais rica. Ah, visitaria museus, bibliotecas e teatros. Faria novas amizades.
Voltou ao árduo trabalho de encaixotar os livros. Eram os únicos objetos da casa que ainda encontravam-se em seu lugar de costume. Os outros estavam todos devidamente embalados, rotulados, à espera do caminhão que chegaria pela manhã. E Larissa sabia que talvez tivesse que passar a noite inteira ali, escolhendo com muito critério quais dos seus preciosos livros a acompanhariam na nova vida. Talvez levasse apenas os que a transformou, a cada leitura, em uma nova Larissa. E isso devolveu-lhe a motivação inicial e a excitação que acometeu-lhe quando recebeu a nova proposta de emprego. Percebeu que independente de onde estivesse, ela estaria em paz. E comeu seu último chocolate para aguardar o futuro que a esperava.
Muito bom!
ResponderExcluirAdoraria ler mais contos seus! ♡
Obrigada!! Preciso voltar a escrever
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