25.3.20

Eu, Tituba: Bruxa Negra de Salem - RESENHA

ATENÇÃO: ESTE LIVRO PODE CONTER GATILHOS!


Em 1692, no Massachussets, EUA, houve um famoso julgamento de mulheres acusadas de bruxaria. Entre elas, Tituba, uma mulher escravizada, provinda de Barbados. O que sabe-se a respeito dela é que após o término do julgamento ela foi vendida como escrava para um outro senhor. A História nunca se preocupou muito em saber qual foi o seu fim. Mas Maryse Condé, autora proveniente de Guadalupe, território ultramarino Francês no Caribe, resolveu escrever um romance tendo como protagonista a personagem esquecida pelos historiadores. E o resultado foi simplesmente maravilhoso!

Título: Eu, Tituba: Bruxa negra de Salem
Autor(a): Maryse Condé
Título original: Moi, Tituba, Sorccière... noire de Salem
Tradutor(a): Natalia Borges Polesso
Editora:Rosa dos Tempos
Ano da publicação original: 1986
Número de páginas: 250
Edição: 1ª (2019)


Tituba é uma mulher negra, filha de mulher escravizada em Barbados. Teve sua mãe, enfocada por agredir um branco (na verdade ela se defendeu) e então foi criada por uma curandeira, Man Yaya. Dessa forma, Tituba não pertencia a ninguém. Os conhecimentos da velha curandeira foram passados à nossa jovem personagem, que vivia em sua cabana, praticando o bem à população negra, curando com suas poções.
"Ela havia cometido o crime sem perdão. Tinha golpeado um branco. Ainda que não o tivesse matado. "

Até que um dia ela conhece John Indien, que ao contrário dela, era escravizado por uma velha senhora. Ela se apaixona por ele e abdica de sua liberdade para ser propriedade não só de seu marido, mas também da senhora dele. Ela se converte ao cristianismo e curva-se à escravidão em prol de um homem. Gênero este que levou sua mãe à ruína.

Porém Tituba acaba sendo enviada, junto com seu marido, para os EUA para serem escravos de um pastor. E é uma série de acontecimentos que fazem com que Tituba seja acusada de bruxaria (lembre-se que estamos falando dos anos 1600! Bruxaria naquela época era um crime gravíssimo).

Achei bastante interessante o livro comparar a escravidão de Tituba e sua mãe com a escravidão relativa em que viviam as mulheres da época, mesmo as brancas. Elas deixavam de ser posse de seus pais para serem posse de seus maridos. E estavam sujeitas à violência e ao estupro. Elas não tinham voz, direitos, vontades. Eram também meras propriedades à mercê da vontade de um homem. A diferença é que moravam na casa-grande. E podiam mandar nos escravos.

Enquanto isso, as mulheres negras, além do trabalho forçado sem direito a nenhum descanso também estavam sujeitas às vontades dos senhores e de todos os outros homens (brancos e negros, diga-se de passagem). Não eram donas de seus corpos, e assim os homens acreditavam que podiam estuprá-las quando lhes conviesse. E não preciso nem falar no racismo colocado abertamente na boca dos personagens escravizadores. É nauseante, nojento e não consigo imaginar como isso um dia foi aceito. E muito menos em como isso ainda é proferido nos dias de hoje.

Mesmo ciente de seu passado e dominando saberes sobrenaturais, Tituba ainda cai na lábia de homens várias vezes. Ela era uma mulher livre, independente, submissa apenas à sua própria vontade, mas resolve abdicar de sua liberdade por amor a um homem. E o livro mostra bastante esse impasse de Tituba, e a sua necessidade em relacionar-se com o sexo oposto.

Aqui também é mostrado o impacto que o fanatismo religioso pode causar: inocentes foram condenadas por bruxaria e por invocar Satanás, mesmo que isso nunca tivesse acontecido. E nessa situação, toda a amizade e cumplicidade que as filhas do pastor tinham com Tituba, acabaram. Porque elas conheceram um pouco das crenças e habilidades da mulher, que, na maioria das vezes, só usou seu poder para o bem. É a intolerância com o diferente, desconhecido. É isso que sempre levou a injustiças, como foi o julgamento às Bruxas de Salem.  E apesar disso, denota a hipocrisia do homem branco: vivia com a Bíblia embaixo do braço, proferindo palavras e mandamentos divinos, mas escraviza, subjuga, violenta e ainda rende-se às "promiscuidades" que tanto condena. E ainda cobra castidade das esposas.
"Havia ainda uma coisa que eu ignorava: a maldade é um dom recebido no nascimento. Não é adquirido. Aqueles de nós que não vieram ao mundo armados com esporas e ganchos saem perdendo em todas as lutas"

Acho importante ressaltar que o livro é inteiro narrado por Tituba, ou seja, trata-se de uma metaficção historiográfica. Então a personagem esquecida do passado ganha voz no romance de Condé e passa a ter o direito de nos contar a sua história. Mesmo que esta tenha sido criada por outra pessoa.

A autora caribenha ganhou o New Academy Prize em 2018, ano em que o Nobel foi cancelado devido a denúncias de violência sexual envolvendo integrantes da instituição. O New Academy Prize foi a alternativa e prêmio substituto daquele ano.

O livro traz um prefácio maravilhoso escrito por Conceição Evaristo e desta forma dá a voz a duas grandes autoras negras, que merecem mais reconhecimento (eu sequer tinha ouvido falar em Maryse Condé, mesmo com toda a sua importância).

Vou dar as 5 aviõezinhos, apesar de não ter gostado do final (achei previsível demais, mas não sei se caberia um final diferente à essa história).

2 comentários:

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Ilustração por Wokumy • Layout por